sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Chose de la vie

Na virada no ano, Hellen não pulou ondas, não se vestiu de branco e nem comeu uvas. Tudo que esperavam dela era que fosse ao enterro da avó, mas ela também não foi. Até hoje nem ela sabe o porquê.
Mesmo assim, nascida no dia 08/08 tinha certeza que 2008 era o seu ano.
O ano da sorte para mulheres, morenas de cabelos loiros, e noivas.
Por isso, munida de esperança e uma tinta Loreal 7.31 foi para Porto Seguro passar suas férias.
Era tempo de se aventurar. A primeira providência foi tentar um curso de mergulho. Logo na primeira tentativa mareada, não agüentou 20 minutos de escuna sem vomitar. Agora era só esperar mais 4 horas. O estômago revirava de um lado para o outro como se dissesse: a água tá fria, você não está boa, esse modelito não te caiu tão bem, larga de ser atrevida.
Em outros tempos ela desistiria fácil. Mas de repente surgiu do fundo do mar um sereio (leia-se: instrutor gato, sarado e tatuado) que a baleinha não pensou em mais nada e tibun (som das águas em uma simulação de um quase maremoto).
Mais um aviso dos céus, ou melhor, dos mares. Embora Hellen, pela primeira vez na vida, não tenha mentido o peso, também não conseguiu afundar com o equipamento fornecido.
O instrutor com os braços já dormentes consegue depois de 20 minutos auxiliá-la no mergulho.
Dá sinal de OK (sua cara não vai ficar mais roxa de vergonha).
Há 8 metros de profundidade, enquanto peixes coloridos dançavam entre suas pernas como se cantassem a música da Pequena Sereia, o gás da bomba acaba. Ela não consegue mais respirar.
Dá sinal para o instrutor subir. Ele finge não vê.
Dá sinal para ele se foder e largar de ser imbecil. Ele não entende.
Ela consegue escapar dos braços dele e em segundos sobe sozinha.
Puf: um tímpano.
Puf. Puf : o outro.
Alívio. Tira a máscara. Respira.
No outro dia ela vai em um show da Ivete e não entende porque ela encarnou o Tim Maia. Mas aí já é outra história. Agora estava surda e certamente excluída da sociedade.
Na volta da viagem sentou ao lado de uma velhinha que não parou de falar durante 18 horas. Hellen não escutou uma palavra. Isso é um sonho, ela pensava. Enfim, seu sonho realizado havia se tornado uma conversa entre iguais: duas completas surdas.
Chegou em Goiânia. Preparou seu melhor vestido que realçasse seu bronzeado. Retocou a maquiagem. Detalhes. Homens não reparam nisso.
Ela ligou, ligou, ligou. E ele não atendeu. Nenhum sinal do seu noivo. Onde ele se meteu? Não sabia que ela estava chegando?
Duas amigas apareceram de surpresa. Já mulheres reparam em tudo.
Falaram das unhas por fazer, do cabelo seco nas pontas, das pernas sem depilar e principalmente da calça que não mais fechava.
Enquanto isso o tempo foi passando e nem sinal do noivo.
Enfrentaram um cinema com cara de sessão da tarde e decidiu chorar da apresentação aos créditos. Saiu do filme com dois bolsões imensos embaixo dos olhos. E olha a coincidência, finalmente Hellen achou o noivo. Estavam no mesmo cinema: ele, ela, as amigas e uma menina que ela nunca viu na vida mas reza até hoje pra ser alguma prima dele que veio de uma cidadezinha distante do interior.
Volta a São Paulo. Duas horas e cinqüenta e seis minutos de atraso do ônibus. Desce na rodoviária com duas malas pesadíssimas. Situação nada confortável. Uma alcinha arrebenta. Tropeça no moço da frente que ainda descia os degraus. Mais um joelho ralado para a sua coleção. Calcinhas voando para todo lado. Seu MP3 já era, espatifou-se pelo chão. Também não precisava mais dele. Estava surda, lembra?
Pegou 1 ônibus, 1 metrô, outro ônibus e ainda andou 7 quarteirões até a sua casa. Faltando apenas 2, um bonitão, bad boy, mal encarado, 1 metro e 92, cabelos pretos e olhos mel passou por ela.
- Deu pra ver a cor dos olhos? Pergunta a perícia.
- Deu sim. Foi quando ele disse: já era, peguei.
E eu encarei ele bem de frente dizendo: não pegou não, essa bolsa é minha.
- E ele só te roubou? Ainda bem.
Ainda bem? (pensou ela quando não tinha mais forças para desafiar o guardinha mas estava munida de muito ódio).
- É, ainda bem que só levaram todos os meus documentos, minha correntinha de ouro, um relógio, o celular, um pen drive, sua sombrinha e 200 reais em dinheiro.
Ainda bem. Ela pensa todos os dias quando sai para a rua sem identidade, dinheiro, cartão de crédito, sem contato, sem a chance do Raul Gil lhe chamar para cantar no programa de calouros, sem os trabalhos que guardava no pen drive para fazer seu portifólio, sem emprego ou mesmo qualquer chance de ir pra Letônia. Where the fuck is this? Um lugarzinho muito, muito frio, bem distante daqui, entre a Rússia e Berlim, onde talvez chova menos (não agüenta mais fazer escova, e a chapinha derreteu com a voltagem errada).
Hellen engordou 9 quilos em apenas 1 mês. Brigou com os colegas que dividiam o apartamento, encaixotou suas coisas, pintou o cabelo de azul e sábado vai fazer mudança.
Mas até lá muita coisa pode acontecer. Hoje, por exemplo, recebeu um convite para o chá de panela do seu próprio noivo. Será que o amor da sua vida vai mesmo se casar com a prima?

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