sábado, 26 de abril de 2008

Inevitável

Essa é uma carta na contramão das coisas inevitáveis.
Hoje só tenho do que fui fotos e lembranças de uma menina querida e sorridente.
Sorria porque acreditava e vivia cada momento como nunca havia feito.
Sorria dos erros e por não me envergonhar nem um pouco deles.
Se um dia eu vivi posso dizer que não guardo qualquer arrependimento.
Se um dia vivi, não é hoje. Hoje escrevo sobre uma vida que inventei e caia muito bem a mim. Tal quais minhas roupas. Não estão mais no meu armário. Sumiram nas mudanças de casa, de corpo, de estilo, de hábitos ou se esconderam de mim? Recusaram-se a entrar na minha mala que agora está sempre vazia.

Não me identifico com a Amelie ou a Poliana. Segui meu próprio discurso. Improvisei neste cenário e sua infinitude de cores. Às vezes, era tudo tão passional que chegava a me confundir comigo mesma. Quem sou eu que a cada dia me perco mais, me afasto das coisas bobas e ingênuas que me faziam sorrir. Quem sou eu?
Não sou luz ou princesa, nem cantora ou tigresa. Podem me associar a qualquer animal com a pata quebrada. Não gosto mesmo de nenhum deles. E eu, que um dia fui borboleta, voei até me trancar novamente no princípio, até me descobrir mais uma vez casulo. Quisera eu me aceitar assim. Para aonde foram tantas certezas, afirmações e positividade? Em que reino, nada encantado... Agora me descubro só.

Ao meu pai queria dizer: me dê mais abraços. Não consigo mais lhe alcançar com minhas próprias pernas. Elas carregam um peso enorme e dores no joelho. Me puxe para o seu colo. Volto a ninar como se deixasse de crescer aquele momento e me pusesse reconfortante a sonhar. Sou sua criança, não me deixa solta por aí. Por favor, não conceda a minha mão. Minhas unhas estão descascadas e grandes demais. Arranha-mo todas as noites. Vejo as marcas quando acordo.
Posso ver também nas outras pessoas. Oh meu deus, está acontecendo comigo: envelheço.

Já tenho todas aquelas manias: Levo tudo a uma última conseqüência. Implico por nada, pois não tenho mais o que fazer. Deixei de admirar as pessoas, chego a sentir inveja delas. Odeio falar ao telefone, sempre na hora errada. E não gosto de sair de casa, por nada nesse mundo, tão pouco arrumar a cama.
Durmo e me levanto. A cama continua lá. Nada mudou. Não consigo nem mesmo enxergar meus próprios cabelos brancos.
O tempo parou aqui dentro e não consigo abrir a porta pra ninguém. (Pasmem! Nem um chocolate me compra mais).

Escuto dos tolos (pois já distingui-los dos imbecis) que não tenho malícia, que meu mundo é cor-de-rosa, que meus sonhos podem se tornais reais e deixarem de ser sonhos. E cabe a mim, na luta do dia-a-dia acreditar ou não, e até qual profundidade carregar essas palavras e as suas conseqüências. Prendo-me, me perco, me acho. Mas essa brincadeira de pique esconde me cansa de um tanto. Nunca fui de subir em árvores ou ficar na rua. Mais uma vez acho pura perda de tempo. E quanto tempo tenho a perder?
Quanto a ganhar?

Sinto-me amedrontada, pequena e feia. Não quero desapontar as pessoas. Eu tento, todos os dias. Mas não quero, não queria. Agora já não sei mais se posso voltar atrás. Quantos erros temos até acertar? Me entrego mais uma vez, pela centésima, milionésima, entregue me entrego por amor. Talvez a única saída, já sabida como a única chegada. Ainda tenho amor, amor que pulsa e vontade de impulsiona. Quero tantas coisas que sinto necessidade de recomeçar toda manhã. É isso que me sustenta viva. E deixo meu cargo de perfeita pra quem ainda não mentiu. Pois toda a minha vida não passa. Não passa de uma festa ou de uma farsa?


Dedico a todos que amo e todos que já amei, pois não consigo destingui-los bons ou toleráveis.

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