sábado, 26 de setembro de 2009

Chega a doer

Não posso dizer que a semana começou fácil. Mas digo: terminou muito pior.
O chefe não estava lá e o supervisor, que entrou pouquissimos meses antes que eu, resolveu fazer papel de um: o da pior espécie. Começou com uma conversa franca dizendo que não podíamos ir embora às 7h da noite (mesmo que esse seja nosso horário de fim do expediente e que já tenhamos acabado todo o serviço do dia). Se sentia fazendo papel de bobo - palavras dele - quando íamos embora "tão cedo". Na terça, pensa que acabou? Insinuou que estava passando por cima das ordens dele, ou melhor, fazendo mais do que a minha função exige, aprovando e escolhendo o que eu considero melhor para passar para os clientes da agência. E quando eu resolvo dizer em alto em bom som que nada disso me estressa, me atinge. Na primeira hora da quarta-feira abro o email com tom de ameaça: Quem avisa, amigo é. Antes mesmo de eu lê-lo pensei: E quem disse que quero ter a sua amizade? Já não basta tratar como alguém incapaz de criar alguma campanha, agora tem que continuar dizendo que não estou me portando bem? De onde vieram estas reclamações que nunca existiram antes?
Vou ao banheiro lavar o rosto. Puta e mal paga. Mas não deixo cair uma lágrima e redobro meu sorriso cinico. Na quarta mesmo fico até 22h30 na agência. Se eu tinha algum pecado, considere pago. Quinta nada acontece além de uma reunião animadora dizendo que todos eles reconheceram nosso esforço e traria um estagiário para ajudar a gente.E mais uma vez volto a acreditar que as coisas podem começar a mudar. Rio de uma piada. Beijo uma amiga. E começamos o planejamento do chá de fraldas de uma colega, que já está com 8 meses de gravidez e na sexta será seu último dia na empresa. Enquanto isso, não saio do regime, na linha, forte e nem sinto falta de nada, já que minha maior ansiedade estava sendo adiada por uma semana. Meu noivo que começaria o trabalho na segunda e ficaria 3 dias viajando, não foi. Ele continuou me recebendo com todo seu amor, dedicação e comidinha deliciosa nas mãos. (A partir da próxima terça na mesa, compramos uma hoje). Porém ao chegar em casa na quinta, por um erro de comunicação, acabei me indispondo com o noivo. Dormi sem jantar, mas acordamos juntinhos e muito bem. Enfim, sexta. Parecia inacreditável que erámos todos sobreviventes desta semana. Fiz minhas coisas correndo pela manhã porque na parte da tarde teria que visitar um nutrólogo, só pra pegar exames de saúde. Esperei 1 hora, mais 1 da consulta. Um velho de 70 anos, praticante de esportes radicais com a mulher há 10, e com o som ligado em uma música tecno falou de toda a sua experiência e como eu deveria adotar o TO-BU. Na minha cabeça não consegui deixar de fazer aquela brincadeirinha interna: TO-FU. Mas tentei me concentrar no que ele dizia em meio a tantos tucs tucs do som. Ai que fome! Enquanto isso o noivo me servindo de motorista já deveria estar aflito lá de fora. De toda maneira fiz o que minha mãe me pediu: exames para cuidar de mim com saúde. Exames... que o cartão da Unimed não aceitou. Uai, não passou, fazer o quê? Preocupo com isso na segunda.
Tá, mas ainda é sexta. E assim que eu apresentar as brilhantes ideias do PROJETO CANNES 2021 vamos ter uma comemoração. Para mim nada de coxinhas, refris e bolo, mas a colega merecia. Eu havia beijado a barriga dela no dia anterior.Estava linda esperando o Pedro. Ao retornar a agência só vejo a cara de todo mundo inconformados, como se indagassem: - você já soube? Bom, a Sherima acabou de perder o bebê, aqui mesmo. Meu deus, meus deus! Fiquei indignada. Eu não sabia o que fazer além de achar tão irônico no dia que estávamos todos próximos concentrados com os melhores pensamentos em homenageá-la, acontece isso. E mais indignada ainda em ver que as pessoas, sobretudo os homens, continuavam seus trabalhos como se nada tivesse acontecido. No meu coração foi difícil aceitar. Era tudo muito triste.
Neste dia, sinceramente, disse tchau para um amigo que substituiria a minha dupla, mas que em 2 semanas não aguentou a pressão e resolveu nem entrar nesse barco louco e à beira de afundar, e fui para casa, às 7h de novo.
Como de rotina, meia noite e meia fui dormir. Mas desta vez meus olhos se fecharam por menos tempo. 2h30, mesmo ele fazendo um esforço imenso para não me acordar, não suportou a dor e chorou. Ele nunca chorou. Por isso vocês podem ter certeza que não tinha posição, era dor demais. A pressão baixou, perdeu a cor, suou frio, sentiu frio, teve diarréia, e o punho estava quase o dobro do tamanho normal. Não dava mais para adiar. Era 6h da manhã, estavamos acordando os médicos e pedindo um desconto para a consulta que seria particular. Nada de desconto, nada de pressa. E a dor dele só aumentando enquanto não estavam nem aí. 1 hora depois uma médica fanha nos atende, passa remédios, diz que pode ser caso de cirurgia e que ele teria que adiar mais uma semana o começo do seu trabalho como representante de vendas. Como ele vai conseguir aguentar mais? Já faz 4 meses de espera. Mas agora só vai desobedecer se conseguir arrancar esse gesso do braço a força, e sem depender de mim.Vamos ver...
Foi assim que enfrentei o dia de hoje. Sábado. Pela primeira vez cuidei dele. Fiz o almoço,lavei as roupas, limpei a casa, e com certeza adiei por mais uns 2 anos o plano de ter filhos, porque um dia já foi de bom tamanho para mim, hehe.
No meio da tarde cochilei por 1 hora. Sonhei com minha grande amiga Carol chorando em um apartamento que supostamente ela morava, e depois decíamos as escadas para assistir um campeonato de natação, e ela sumia de mim por uns segundos. Eu tirava meus tamancos dos pés e começava a voar lentamente. Mas percebi que uns garotos tramavam algo como um tiroteio em massa. Por isso deixei de voar para correr. E na hora de pegar o elevador para voltar pro apartamento da Carol, meu celular começa a tocar. Resolvo descer para atender. Acaba com este elevador que não entrei, explodindo. Aí acordei, era tarde, estava quente. Fui dar banho no noivo. O telefone tocou. Minha mãe me dizia com a voz mais calma do mundo. A voz que só ela tem. Você não vai ficar feliz com que vou dizer. Pensei: pronto. Ela foi com meu pai e minha irmã nesta manhã olhar algumas chácaras para fazer meu casamento. Gostou muito de uma. Mas no final foram atacados com Filas. Aqueles cachorros enormes. Bom, assim foi a cena que ela descreveu: - Sua irmã usava aquela sua saia de envelope. Os dois filas fugiram das grades e foram para cima dela. Não sobrou nada da saia, e foram direto na cocha. Ainda bem que ela tem as pernas grossas. Foram 35 pontos fora e 15 pontos internos, mas não arrancou nenhum pedaço. E vocês dois, eu pergunto soluçando.
Seu pai foi tentar salvá-la e foi atacado na barriga e nas pernas. Levou mais pontos que ela. E eu fui por último. Consegui deter os cachorros mas eles também morderam as batatas da minha perna. Estou podendo andar porque estava de calça jeans. Mas eu, seu pai e a nati vamos ter que ficar 1 semana de repouso em casa. Indo só da cama para o banheiro. Na hora eu pensei: - eu deveria estar lá, a chácara era pro meu casamento. - eu deveria estar lá cuidando deles nesta semana. - eu deveria estar lá para matar esses cães e processar o dono da chácara. Mas não, nada disso pode acontecer. Nada pode voltar atrás. Então minhas últimas palavras foram: Perdão minha irmã. E a resposta dela foi: isso dá uma bela história pro meu blog. Só ela mesmo.Sinto muito por todos. Pela Cacau, pela Sherima, pela Carol, pelo meu noivo, minha mãe, minha irmã, meu pai.
Chega a doer, como se fosse em mim.

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