quinta-feira, 5 de maio de 2011

Não acorde a fera

Era exatamente esta plaquinha que eu gostaria de colocar na porta do meu quarto ontem. Pensei até se não seria melhor: não acorde o dragão. Mas como não estou em um momento de super autoestima soou um tanto pejorativo.

Passei o dia cuspindo fogo. Embora eu tivesse certeza que era o sono. Dormi às 2h da madrugada para acordar 6h30, esperar o maldito gastro me atender só às 9h. Olhar para minha cara 2 minutos e dizer: "- está tudo normal, volte daqui 1 mês." Como assim? (estou convencida que é ele quem me dá gastrite). Como assim? continuei. Estou esperando faz 4 meses você me dizer o que eu tenho, passei horas no telefone com a secretária eletrônica da Unimed, paguei por fora, perdi trabalho, marquei e desmarquei esta consulta umas 5 vezes, fiz jejum, passei 2 dias sem poder sair do banheiro, pedi para minha mãe "interpretar o texto", e sei que CRÔNICA não quer dizer NORMAL...

Mas uma pessoa que tem gastrite é uma pessoa que não bota para fora tudo que está pensando, por isso, simplificando eu só disse: - Você tem certeza? O tal doutor até saiu da posição deitado na mesa, para uma outra mais desafiadora. - Você também já se automedicou? Aí ele me tirou do sério e me fez ser mal educada: - "Ainda não. Estou esperando 4 meses por isso. Estou esperando sua boa vontade." Resumindo ele pegou a primeira receita, trocou o nome de cima pelo meu, imprimiu e pediu para eu falar para secretária dele orçar na farmácia omeopática.

Saí de lá e nem olhei pra trás. Liguei para minha mãe para demonstrar minha ira pela classe médica e meu tempo desperdiçado. Cheguei atrasada no serviço, onde se acumulavam briefings na minha mesa e parecia que eu nunca mais daria conta do recado. Quando falavam meu nome, eu achava que o mundo ia cair em cima de mim. Não estava conseguindo pensar. Na hora do almoço um colega perguntou: Aonde você vai? Eu simplesmente fechei a porta na cara dele. Passei o dia mandando recados para quem quizesse ouvir: - Que dia! - Não acaba mais? - Já deu por hoje. E a noite, levei 2 horas e meia para chegar em casa, sendo atacada por bolsas na cara e pessoas caindo a cada freada do busão. Eu queria gritaaaarrrrr.

Ainda faltava andar os 7 quarteirões. Ao menos não estava mais esmagada. E o caminho foi até curto pois pensava como fazer para, a partir daquele momento, começar a impor um pouco de respeito. Foi quando eu vi o velho. Fazia muito tempo que a gente não se trombava. O velho dos pijamas. Se você mora ali nas proximidades da Paulista, de preferência na Frei Caneca, já viu alguma vez este senhor.

Ele usa pijamas. Mas especificamente, de seda. Ontem ele trajava um pijama de seda vermelho (um conjuntinho de calça e camisa combinando) e voltava para casa com uma sacola de pão.

A primeira vez que o vi, estava com um pijama de seda listrado. Logo pensei que ele veio de outro país e quando chegou no Brasil uma costureira barateira o convenceu que aquilo que se usava aqui. E pediu para ele comprar tecidos, repetindo o modelo centenas de vez. Porque mudar? Se é tão confortável... Se caiu tão bem...

A segunda vez que o vi já comecei um novo julgamento: Será um louco, que não tem ninguém, nem onde morar?

A terceira vez o vi entrando na sua casa, com sua própria chave, de pijama de seda de bolinhas azuis. Ah bom, é um aposentado, que perdeu a esposa em um acidente de avião e agora passa o dia em casa sozinho. Come só pão, por isso não se dá ao trabalho de trocar a roupa para ir somente a padaria.

Já foram tantas, mais tantas suposições, que ontem eu desisti de confabular. Olhei bem para ele e assumi que realmente não sei quem ele é, mas que o admiro pois conseguiu o que queria.

Ninguém nunca vai importuná-lo. Ninguém é tão louco quanto ele de pará-lo na rua para perguntar: - Mas que raios?
E ele passa. Impondo respeito. Ele, seu pijama de seda e os cabelos brancos inspirados em Einstein.

Cheguei em casa. Tomei um banho. E dormi.

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