sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Mais um capítulo

Ela costuma sentir muito sono, assim que está aproximando da chegada. Mesmo que tenha passado 12 horas dentro de um ônibus, por exemplo, o sono só vem mesmo (a ponto de derrubar)quando faltam 3 quarteirões para ela descer. A impressão que me dá, olhando de longe, é que ela tem tanto medo de enfrentar o frio lá fora (mesmo em dias de graus escaldantes) que prefere ficar ali, por mais alguns instantes.

E como um ato contínuo, todos os dias, a vejo segurar a bolsa no colo como um filho em um misto de: - “vou proteger você bolsinha linda” ou “não precisa ter medo, logo chegaremos em casa”. Ontem mesmo, ela colocou o celular em um dos bolsos da jaqueta e as chaves no outro, deixando a bolsa livre (como nunca havia sentido), e pensou: - “quando vierem me roubar, ficarão tão frustados que eu vou achar graça” ou “mesmo assim vou dizer que me levaram 100 reais e a linda bolsa de couro que ganhei de presente outro dia”.

Ela sempre foi assim. Gostava de provocar nos outros um exagerado sentimento de pena. – “Dá próxima vez, estarei ao seu lado. A partir de hoje, vou passar a cuidar melhor dela”. Se bem que ela já havia despertado sentimentos melhores, outrora (expressão ideal para recapitular uma de suas outras vidas).

Estamos falando de aproximadamente 7 anos atrás. Quando eu a conheci, passava por uma fase de transformação como uma menina que, por méritos próprios, conquistou o corpo desejado e queria por tudo ouvir afirmações de mais pessoas acerca desta descoberta.

Percebendo o que havia conseguido, ela começou a querer chamar atenção de tudo que se movia, a ponto de ter a maior autoestima que uma pessoa “normal” já pode ter.

Não era de espantar se fosse surpreendida conversando lascivamente com o espelho. Estava fascinada com os 72 amigos que apareceram do dia para a noite, implorando para estar ao seu lado quando ela desse um de seus sorrisos.

Passado umas 3 semanas, parecia tão encantada que mal conseguia pisar no chão (era levada pelos elogios). Talvez você já tenha experimentado uma sensação parecida ao tentar pagar a conta no final da balada quando todos querem sair ao mesmo tempo – não dá pra pisar no chão. Mas ela nunca havia sentido isso.

No outro dia arranjou um namorado com a facilidade de quem diz: - “vamos ao clube”, ela disse: - “quer namorar comigo?” e ele aceitou. Ele parecia já amá-la tanto, como se realmente a conhecesse antes dela ter se tornado a pessoa mais egoísta e autoconfiante do mundo.

Era insuportável ficar ao lado dela, mas nesta época ainda não dividíamos o banco do ônibus, nesta época ela fazia o seu carrinho Celta mais parecer um Fusion, tamanha a imponência.

Apesar de sua aparente mudada, logo começou a perder o controle da situação. Se estava feliz, comia para comemorar. Se estava triste, comia para ficar menos ansiosa. Se estava sem ter o que fazer, comia. E quando saía com os amigos, sempre era dela a sugestão: “- vamos conhecer todos os restaurantes da cidade, porquê não do mundo, aliás, vamos conhecer todos os buffets que são servidos nos motéis da região. Sem contar em todo o dinheiro rasgado à toa, estas estripulias lhe custaram muito mais do que peso na consciência.

Sempre esperaram dela as mais polidas, gentis e suaves atitudes. Mas ela estava nem aí, dando a cara pra bater. Em 8 meses havia ganhado os 20 quilos que havia esquecido em alguma gaveta. Nos próximos dias sua meta seria perdê-los. Ao invéz disso, parecia mais uma luta injusta com seu metabolismo que além de preguiçoso poderia ser descrito como aquele cara de joelhos inchados que não levanta esta bunda gorda por nada que lhe valha.

A culpa era sempre do metabolismo. Endossado pelo endócrino, pelo cardio, pela nutricionista, pela cardiologista e principalmente pelo pai seloso que faltava insistir: - “Só um pãozinho filha, só hoje, não lhe fará mal algum”. Ela acreditou.

Numa espécie de negação: “Realmente minha irmã acaba com um pacote de bolachas com uma bocada, não eu”. E um punhado de autoboicote “Se é pra engordar, que seja porque comi mesmo. Chega de contar calorias de maçãs.” Ela não conseguia parar. Intercalava 3 dias do seu NOVO regime revolucionário com uma boa lata de leite condensado.

Quando prometia a todos e, principalmente a si mesma, que iria conseguir ter o domínio da situação, mas ao contrário do que imaginava acabava trancada no banheiro com um sanduiche do Mc Donalds, ela ao invez de se arrepender preferiu começar a mentir. Pensava: - "Tanta gente me ajudando, com seu voto de confiança, com as palavras de incentivo, eu não posso desapontá-los OUTRA VEZ".

Era óbvio que quanto mais ela engordava, mais estava se punindo, por tanta gente que ela havia fazido sofrer. Já não adiantava mais as promessas de recompensas. Chegou a dizer pro namorado: - " Sei que não estou no seu padrão, pode comer outras, apenas não me conte". Que fique claro que, pelo bem dele, ele não lhe deu ouvidos.

Deixada de lado (por si mesma, principalmente) ela passou a se sentir sem estímulo. Via nas outras mulheres, aquelas das capas de revista, uma inspiração para ser como elas. E quando percebia que talvez nunca mais teria aquelas pernas, esguias, douradas, desejáveis, ela secretamente pensava: - "que caiam de bicicleta e ganhem um belo ematoma que com o tempo se tornarão queloides profundos e eternos".

O espelho já não lhe servia de base. E só tinha noção da sua circunferência quando esbarrava nos outros por aí (a ponto de ter que pedir desculpas 2 vezes seguidas).Era nas fotos que ela ficava mortificada ao se deparar com uma verdade assustadora. Ainda nem teve filhos, imagina quando os tivesse. Isso se a gordura não fosse atrapalhar na gestação.

Mesmo com tantos incentivos que passavam da saúde a vaidade, nada era um motivo tão forte. Não para ela. Afinal, os dias se passavam tão rápidos. Nem dava tempo dela tentar uma menção a greve de fome.

Ontem ela realmente passou do ponto. Não porque estava naquele estado de sonolência que falei anteriormente, mas porque estava lendo um livro de Marian Keyes chamado Férias! Para os outros, poderia aparentar mais uma leitura frívula e infantil de um guia turístico. Para mim, que a conhecia um pouquinho mais, ela havia descoberto que poderia ser uma comedora compulsiva. Só era difícil demais admitir.



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