segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Vale um dedo?

Tem gente que daria um dedo por um cargo importante no mercado, um dedo por ser descoberto na rua e virar a próxima revelação do mundo fashion, um dedo pela descoberta da cura da Aids. Mas você daria um dedo por um risoto com linguiça?

- Te falar que não é um risoto qualquer. É padrão - Tentei explicar pro médico gato que estava de plantão no pronto-socorro ontem a noite, mas parece que ele não estava muito para papo.

Na hora nem pensei, mas agora acho que ele era vegetariano ou já tinha visto sangue demais por uma noite ou mesmo ele queria manter a forma (e que forma!) ou se assustou porque só tive tempo de colocar uma calça por cima do pijama e sair correndo (lê-se: dirigindo) no estilo "nega do leite descabelada e sem make" rumo ao hospital mais próximo.

Eu podia ver pelo balançar da cabeça das secretarias em um movimento positivo, de cima para baixo, de cima para baixo, que elas entendiam o valor de um bom risoto. Mais ainda, o valor de um risoto feito a meia-noite pelo marido mais atencioso do mundo. Estavam até dispostas a fazer, elas mesmas, um curativo tão xinfrin que ele fosse obrigado a voltar nas noites seguidas.

Mas o médico insistia em dizer: ontem um cara apareceu aqui decepado e não pudemos reconstruir o dedo. Você acha que vou perder 5 minutos com um tampão? Passando assim a responsabilidade para o enfermeiro. Que ao chegar pediu que eu entregasse o "material morto" e para garantir que eu não guardaria de recordação tirou das minhas mãos, jogando no lixo. Depois pediu pro meu marido lavar as mãos até parar de sangrar e percebendo que demoraria alguns dias para que isto acontecesse cobriu o dedo de gaze, esparadrapo e mais uma piadinha sem graça: agora você tem sua própria colher de pau.

Por perdão aos trocadilhos, dava para ver no "cara de pau" como ele estava substimando o caso. Foi aí que me perguntou: - Foi Brahma? E eu fui obrigada a discorrer ao vidente como tudo começou.

Bem, o final de semana ia bem, tranquilo até demais. Então resolvemos ir almoçar no Mercadão, fazer umas comprinhas, comer pastel com bacalhau, sanduiche de mortadela, sabe como é...

De lá fomos pra casa e como eu já tinha dado meu passeio do dia tava mais sossegada. Podia muito bem tomar um banho e dormir. Foi quando um casal de amigos do meu marido convidou a gente pra descer e tomar um chopp. Achei uma boa incentivá-lo a ir. Normalmente, tardes de domingo são lamentáveis pra quem não gosta de futebol. Ele iria se distrair um pouco e eu poderia amargurar minha gulodisse em um balde de pipoca.

Às 9h da noite, ri de mim mesma com a possibilidade de me deitar tão cedo. Luxo ou luxúria eu estava toda de pijaminha embaixo dos cobertores quando ele chegou. Estranhei que não abriu a porta do quarto. Esperei uns minutos e saí, vendo que o casal de amigos tinha subido para acompanhá-lo.

Está entregue - disseram. É bom colocar gelo no roxo.
Só então percebi que ele tinha levado um tombo e ralado o ombro, batido a perna e o ossinho do quadril ia ficar alguns dias latejando. Tirei as roupas dele. Dei um banho. Mas estava cedo demais. Tarde para achar um supermercado aberto. Mas cedo pra convencê-lo a dormir ou quietar a bunda na frente da TV.

Por isso, quando ele decidiu que faria meu almoço, juro, não achei uma má ideia. Ele é sempre tão habilidoso, tão cheio de si... não poderia prever. De toda forma, resolvi acompanhar de perto, como se estivesse interessada em aprender a nova receita.

Mas foi a parte do alho poró que ainda me embrulha o estômago só de pensar. - "Amor, cortei o dedo". Ele disse.
Sabe quando você corta o dedo e na verdade é só um raspadinho de nada mas o suficiente pra incomodar horrores toda vez que você molhar sem querer? Pois bem, este não era um desses casos.

Percebi quando vi grande parte do tampão caido na pia e já não fazia parte do dedo. Peguei aquilo em minhas mãos e sem saber se gritava, acudia o moço ou tentava fugir dos esguichos de sangue, destampei a chorar. Ele me abraçava pedindo calma. E eu só sabia dizer: eu gostava tanto do seu dedo como era. E olhava aquele monte de sangue inundando a pia e chorava de novo, bruscamente.

Foi quando ele me pediu pra ligar pra minha mãe e ela me deu um acorda pra vida, ainda não foi pro hospital? Por isso, estamos aqui seu moço e se eu soubesse que não daria a menor bola não estaria aqui ouvindo piadas infâmes sobre como a vida é imprevisível.

Hoje foi bem difícil almoçar o tal risoto. Estava maravilhoso, não dá pra negar. Mas só de lembrar no dedão quadrado, chato, que não vai mais circular por aí, me faz crer: - Filhos, para que tê-los, se o meu marido vale por uns 3?

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