segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Número não tão desconhecido

Ele recebeu uma mensagem enquanto estava a caminho de casa. Como estava dirigindo quase pediu para a noiva olhar se era importante. Mas foi aí que o sinal fechou. E por ele ter parado na hora exata, sem avançar no amarelo ou atropelar algum pedestre que acha que depois da lei de respeito a faixa de trânsito ele virou o dono da rua, ele conseguiu evitar o pior acidente de toda a sua vida.

Uma ex-namorada havia deixado um recado. Meso mussarela, meso calabresa, porém muito picante. Ele sabia que só poderia haver um engano. Não se viam desde, hum, desde, quando mesmo? isso, o jardim de infância. Pensou em toda repercussão que poderia dar quando o engano se transformasse no estrago.

Como evitar que a noiva quebrasse o celular no meio da sua cara, não antes de anotar o número e ligar freneticamente para a menina e ameaçá-la com uma voz de "eu sei o que você fez no verão passado" até descobrir toda a verdade, ou a versão de uma traição, mesmo sendo mentira?

Tentando fazer a sombrancelha parar de denunciá-lo ou a velocidade de ar, cada vez mais intensa, que começava a aspirar pelas narinas, resolveu simplesmente que a solução era apagar o mal entendido. Delete na mensagem e não se fala mais nisso.

Para quebrar o stress preso entre os vidros fechados colocou no rádio um CD romântico para tocar. No adesivo o nome "canção de nós dois" faz lembrar de quando gravou as músicas que mais gostavam especialmente para o aniversário de 1 ano de namoro. Enquanto o clima de paz inundava o ambiente pousou uma das mãos na perna da noiva para demonstrar todo o seu amor ou medo de perder, que no final é tudo a mesma coisa.

Chegaram em casa. Naquela noite, culpado ou não, ele dedicou sua maior atenção a noiva. Tudo corria bem até que ela perguntou: - Seu celular tem créditos? O meu acabou e eu precisava ligar para a mamãe. Nisso foi até o quarto (costuma deixar o aparelho embaixo no travesseiro para servir de despertador) e quando pegou para emprestá-lo a noiva, pode ver mais 14 mensagens.

Na hora imaginou ser da operadora. Normalmente mandam sms com os vencedores do Brasileirão, ou campanhas para combater a dengue, ou avisos em CAPS LOCK avisando que a data para usar os créditos vai expirar. Mas 14 mensagens?

Movido pela curiosidade começa a ler a primeira: - Amorzinho, adorei a noite de ontem. Não vejo a hora de se repetir. Assustado pelo dejavù e o pensamento de que havia apagado aquela mensagem meia hora atrás ele começa a olhar as outras. - Amorzinho, adorei a noite de ontem. Não vejo a hora de se repetir. E a terceira: - Amorzinho, adorei a noite de ontem. Não vejo a hora de se repetir. E a quarta: - Amorzinho, adorei a noite de ontem. Não vejo a hora de se repetir. E a quinta: - Amorzinho, adorei a noite de ontem. Não vejo a hora de se repetir. E a décima: - Amorzinho, adorei a noite de ontem. Não vejo a hora de se repetir. Até selecionar e apagá-las de uma vez só.

Nesta altura a noiva já estava na porta observando seus olhos arregalados acompanharem os movimentos repetitivos. - O que foi, meu xero? Algum problema?
Ainda nervoso pega o celular do chão que acabara de cair com a esperança de ter se quebrado todo. Mas não, os celulares de hoje em dia são super resistentes. Merda.

Ela se abaixa mas ele consegue pegar antes dela apertando a discagem automática para a sogra. A noiva fala com a mãe pelos próximos 46 minutos. O tempo dele surtar enquanto fica imaginando quantas outras mensagens podem ter chegado neste meio tempo.

Louco para por a culpa em alguém. Afinal, ele não era aquele Amorzinho a quem a Paulinha se referia, mas o simples fato de ter o nome dela gravado no celular e ainda no diminutivo carinhoso não haveria cumplices para assumir a desgraça. 2 vezes Merda. Foi noite de quarta e nas noites de quarta não perde a pelada com os companheiros, e amigo que é amigo, a noiva sabe, mentiria por ele fácil.

Pensou em ligar para operadora cobrando uma satisfação por estarem enviando essa mensagem repetidamente. É capaz de imaginar um menino miudo de aparelhos zombando da sua cara como se dizesse: quer ser o garanhão? vai pagar um dobrado na minha mão. Mas que desculpa daria a noite quando começasse a berrar com o menino implorando pelo cancelamento da conta?

O jeito era rezar. A noite chegou e ele retirou o chip do aparelho 5 vezes, colocou no silencioso e dormiu com o dito cujo nas calças de pijama.

Na manhã seguinte, com a certeza de que tinha sido apenas um pesadelo, acordou e viu a noiva com seu celular na mão. Ela teve insônia e por isso resolveu ouvir as músicas gravadas no playlist. Não parecia nervosa, muito pelo contrário. Deu um sorriso calmo de canto de boca ao vê-lo acordar.

- Meu Deus. Ela nunca havia mechido no celular dele sem pedir emprestado. Será que havia desconfiado de algo? Por via das dúvidas se levantou, fingindo controle total da situação, e tratou de preparar o melhor café da manhã na cama de toda a sua vida. Foi difícil tirar a sua atenção do aparelho, até que pensou em um plano infalível: se eu disser que sonhei com ela, com certeza ficará curiosa para saber. Dito e feito. Inventar um sonho não foi mais difícil de tudo que estava acontecendo.

Assim que conseguiu pegar o aparelho em mãos, estava ali, a prova do crime bem na sua frente. 50 mensagens: - Amorzinho, adorei a noite de ontem. Não vejo a hora de se repetir. - Amorzinho, adorei a noite de ontem. Não vejo a hora de se repetir. - Amorzinho, adorei a noite de ontem. Não vejo a hora de se repetir. - Amorzinho, adorei a noite de ontem. Não vejo a hora de se repetir. - Amorzinho, adorei a noite de ontem. Não vejo a hora de se repetir. - Amorzinho, adorei a noite de ontem. Não vejo a hora de se repetir. - Amorzinho, adorei a noite de ontem. Não vejo a hora de se repetir. Que foram devidamente, uma a uma apagadas.

Na tarde, mais 20. No outro dia mais 67. Ele estava cansado. Exausto de se sentir culpado por não ter feito nada. Foi então que teve a brilhante ideia de ligar para Paula. Nem se lembra da última vez que falou com ela, mas se ela pudesse ajudá-lo a explicar a situação ou desligar o celular dela por alguns dias, quem sabe resolveria.

Falaram por exatos 6 minutos. O tempo dele lembrá-la quem era, entender que ela havia mandado pro Antônio errado e ficar preparada caso uma loira começasse a persegui-la na rua sem motivos aparentes.

Assim que desligou o celular, quando toda angustia parecia ter sido arrancada do peito, foi ao banheiro lavar o rosto e ouviu um grito: - ANTONIOOOOO, quem é essa Paulinha que você ligou? 3 vezes Merda.

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