sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Avenidas

Da janela do banheiro dá pra ver a Rebouças.
Da janela da sala a vizinhança.
Da minha janela não vejo nada. Está emperrada.
Dá pra ver que o barulho continua bem perto.
Não existe sinal de silêncio. Nem um segundo siquer.
As pessoas andam, andam, andam. E quando pensam para onde estão indo acabam esbarrando umas nas outras. Aqui não se pode pensar. Nem na Rebouças, na Consolação ou na Paulista. Pensar só é permitido dentro do horário comercial.
Vejo as pessoas e provavelmente elas também me vêem.
Sou constantemente vigiada: por câmeras, signos, números, relógios, provedores, professores, telefones, faróis e as corujas. Até as estrelas abrem ainda mais os olhos pra me ver passar.
Já fingi de despercebida, outras vezes fiz cara feia. Nada assusta aos olhos que querem saber um pouco mais, nada afasta os olhos de quem se alimenta do meu fracasso, me persegue e corrompe toda a ilusão da minha falsa liberdade.
Todos estão vendo: estou tentando, mas ainda é muito pouco.
Passam a me julgar através de seus próprios valores. E dizem ou maldizem no que estou pecando. Quando saio nas ruas abaixam a cabeça, envergonhados. Não percebo o menor sinal de ajuda. Ando de um lado para o outro sem saber qual o próximo passo.
Escondo-me em algum filme repetido. Me acho, me perco e sumo. Logo sinto falta de casa. Preciso voltar. Ajoelho-me ao chão pra limpar as frestas empoeiradas.
Vou ao banheiro lavar o meu rosto. Me encharco e olho pela janela.
Dá pra ver a Rebouças.

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