terça-feira, 13 de março de 2012

O homem da casa

Nádia era o homem da casa. E já se acostumara com o posto há 25 anos. Saía cedo para pegar no batente. Trem, ônibus, metrô e 2 horas depois estava em sua cabine de pedágio para contar centavos de carros e caminhões. Se ela quisesse, poderia muito bem montar uma oficina mecânica, tamanho o seu conhecimento em veículos. Mas sua ambição não era para tanto, muito menos a grana que conseguia juntar no final do mês: R$0,00.
Quem passava por ela poderia jurar que estava satisfeita com a vida que levava. Ela fazia questão de dar Bom dia e Boa viagem para todos. Embora não tenha tanta certeza se 1h da madrugada já é dia.

Saía de lá e emendava um trampo com o outro. Desta vez em uma academia de ginástica, na portaria, lógico. Nádia não se dispunha a enfrentar aquelas máquinas de ferro manipuladoras de opiniões públicas. Porque era assim que ela encarava as aulas de musculação como uma fábrica de produzir mulheres tolas em série que só pensam no corpo e só querem fazer que os outros pensem no corpo delas.

O sol já estava se pondo quando ela chegava em casa, tirava os sapatos, sentava no sofá e observava o marido terminar o jantar. Adolpho é o marido de Nádia. Ele sempre estava lá para quando ela precisava. Ele sempre estava em casa, de qualquer forma. Saía apenas para levar os filhos na aula de futebol, balé e musicalização. E depois buscava a garotada perdendo horas preciosas no trânsito.

Quando Nádia chegava em casa, sabia que ia ver tudo brilhando de limpo, os brinquedos das crianças guardados no balde, uma flor recém-colhida no único vaso da mesa da sala, e o jantar quase pronto. Não estava pronto ainda porque Adolpho sabia que Nádia preferia uma comida quentinha e Adolpho queria também deixar claro que ele trabalha muito ali.

Adolpho era a mulher da casa. Limpava, lavava, passava, ia ao mercado, cozinhava, pagava as contas, cuidava da educação dos filhos e da diversão também. Domingo era um dia sagrado para Nádia. Por isso, Adolpho levantava cedo e levava as crianças para brincar em um parque perto de casa. Só voltava dez para o meio-dia, quando colocava algum filme infantil na TV e começava a preparar o almoço. Nádia acordava com o cheiro de macarronada ou feijoada ou piquisada ou qualquer banquete que Adolpho preparara para dizer a Nádia o quanto ela era especial.

Não era porquê Adolpho era a mulher da casa que ele tinha mais tempo que ela. Mas o tempo que tinha, dava uma caminhada, nadava, cuidava da saúde e da forma. Já Nádia cultivava a barriga do homem da casa, tomando cerveja aos sábados e dá-lhe coca e junk food durante a semana. Nádia queria sexo todos os dias. Mas Adolpho nunca estava disposto. Então ela se contentava com um beijinho de boa noite. Afinal, já se passaram 25 anos de casados e sempre foi assim. Por que agora que ela iria reclamar?

Mas um dia Adolpho comentou que Nádia não fazia mais as unhas. E que colocava o mesmo pijama de flanela depois do banho. E que ela havia engordado uns, digamos, 60 quilos desde quando se conheceram. E Nádia reclamou que ele estava com coisa. Parecia um mocinho de 20 anos, com amiguinhas de 18 anos. Que ele precisava arranjar um emprego para não faltar no final do mês. Que ele precisava ser mais romântico, pegar na mão dela, fazer cafuné de vez em quando. E que precisam sair mais: um barzinho, um cinema, quem sabe até um motel.

Na manhã seguinte, Nádia não conseguiu levantar da cama. Adolpho nem na cama não dormiu. Passaram o dia sem se falar. Ela lendo um livro. Ele vendo a TV. A noite, Adolpho preparou uma canja bem gostosa, bem calórica, bem amorosa. Abriu a porta do quarto e levou o prato em uma bandeja. Nádia sabia que aquilo não mudaria em nada o que ela estava sentindo. Mas comeu. E entre uma colherada e outra, manteve a boca fechada por alguns instantes. Os instantes em que estaria gritando, fazendo as malas e abandonando a casa. Mas ela escolheu comer a canja e voltar a dormir.

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